quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Lisboa, A guerra nas sombras da cidade da luz

Book Review


Fico sempre com sentimentos contraditórios quando vejo livros de História de Portugal escritos por estrangeiros. Por um lado, claro que respeito a liberdade de o fazerem e fico lisonjeado pelo interesse que o meu país lhes causa, para além obviamente de compreender que um espectador estrangeiro será provavelmente mais independente do que um nativo. Por outro, sabendo dos milhares de licenciados em História desempregados que existem em Portugal, não consigo deixar de pensar por que motivo não temos muitíssimos mais livros cobrindo toda a nossa história a serem vendidos pelas muitas livrarias do nosso país.

Neil Lochery escreveu este livro sobre um tema que me fascina: o mundo da espionagem em Portugal durante a segunda guerra mundial. Não tendo sido um dos beligerantes, o nosso país contava-se entre uma das poucas nações onde os refugiados conseguiam abrigo, onde os serviços de inteligência das principais potências procuravam obter informações e introduzir-se nos países inimigos, e onde o lucro fluía fruto dos produtos e informações procurados por todos os lados da guerra.

A guerra do volfrâmio, metal essencial na indústria de armamento alemã, misturou tráfico de ouro nazi e do próprio volfrâmio, alterou o perfil económico do país e testou aos limites os nervos das elites portuguesas (em especial Salazar) que procuravam desesperadamente manter Portugal fora da guerra.

António de Oliveira Salazar é por isso a peça central desta história, tentando agradar a gregos e troianos, jogando com os embaixadores ingleses, alemães e americanos de forma a que cada uma das suas decisões não chegasse nunca a ser considerada como um acto de guerra, mesmo quando algumas delas estavam no limiar disso mesmo. Caso por exemplo da cedência da base das Lages ao Reino Unido, facilitando o tráfego aéreo e a defesa das absolutamente essenciais frotas das américas para a Grã-Bretanha ou, no sentido inverso, a venda de matérias primas à indústria militar nazi. Lochery é claramente um admirador da mestria com que Salazar geriu cada um desses dossiers embora seja crítico da frieza com que o ditador tratou o sofrimento dos refugiados e vítimas civis estrangeiros.

Personagem incontornável desta época será também Aristides de Sousa Mendes e o trabalho que fez ao serviço dos refugiados judeus que se acumularam em Bordéus em fuga do avanço alemão no primeiro semestre de 1940. Mesmo pondo em causa alguns números recorrentemente publicados nos media, Lochery não reduz a importância das acções do Cônsul quer nas vidas dos que beneficiaram dos vistos quer na política e estratégia das várias potências. Espanha, que se encontrava pressionada por Hitler para se juntar ao Eixo tornou a situação para o governo português diplomaticamente complicada, enquanto a Inglaterra fez uma queixa formal por - pelo menos numa ocasião - ter sido pedido dinheiro pelo visto em Bordéus.

Embora seja um livro muito interessante de ler, escrito de forma apelativa para um público mais alargado do que o que habitualmente compra livros de não-ficção - complementado ainda com uma capa lindíssima e fotografias da época bem escolhidas - está longe de ser perfeito. "Lisboa, A guerra nas sombras da cidade da luz, 1939-1945" leva tão a sério a necessidade de agradar o grande público que exagera nas referências às estrelas de cinema, personalidades famosas e ao super espião James Bond, cujo autor - Ian Flemming - serviu como oficial nos serviços secretos ingleses em Lisboa.

Mesmo assim, e depois de horas muito bem passadas a ler o livro, fui obrigado a reler incrédulo o parágrafo final, cuja conclusão discordo totalmente:

Salazar acreditava profundamente que Portugal merecia ser pago pelos bens e serviços que fornecia e que deveria ter permissão para reter os lucros desse comércio após a guerra. Seria um sinal de amadurecimento da democracia portuguesa se as questões relativas ao comércio durante a Segunda Guerra Mundial fossem avaliadas de uma forma crítica menos politizada e mais aberta e justa. Só assim a história de Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial terá um fim real.

No contexto do livro ou tendo algum conhecimento sobre a segunda guerra sabemos que isto significa literalmente "Portugal tem de devolver os lucros que teve da venda de volfrâmio porque é ouro nazi". Não podia discordar mais. Sei que outros países já o fizeram, mesmo não estando directamente envolvidos nos crimes nazis, mas não me parece que o lucro da venda de volfrâmio à Alemanha seja ilegítimo. Portugal era um país neutro, fazia troca comerciais com quisesse e não é por um dos lados ter ganho a guerra que tem o direito de exigir indemnizações de guerra a quem nunca participou nela.

Por outro lado, pegando num precedente destes então o mundo inteiro teria contas a ajustar. E não seria preciso ir tão longe como a segunda guerra mundial. Milhares de empresas que tiveram negócios com o Egipto de Mubarak, com a Líbia de Khadafi, com o Iraque de Saddam entre muitos outros teriam que devolver também todo o dinheiro que receberam. Quantas empresas americanas, inglesas e francesas não venderam armas para esses regimes e outros que ainda não caíram? E não estamos sequer a falar de venda de matérias primas, mas de armas. Em muitos casos armas químicas e minas anti pessoal cujos efeitos se sentem por décadas.

Ainda mais insultuoso é Neil Lochery fazer depender a "maturidade da democracia portuguesa" nesta ideia. Porque nesse caso nenhum país do mundo poderia ser considerado democraticamente maduro. Todos tiveram negócios com regimes mais ou menos violentos e muitos deles têm um passado violento em relação aos países vizinhos. 

Não faço ideia do que lhe terá dado para escrever um tamanho disparate no final do livro. Talvez queira agradar a alguém. A mim não o fez de certeza.

2 comentários:

  1. Bom dia

    Agora vejo cada vez mais jovens a falar sobre o Estado Novo Nacionalista é bom referir que Salazar não era fascista, quem estuda bem história sabe bem que o Regime Salazarista não era uma ditadura fascista, mas Nacionalista.

    Neste preciso momento seria um líder mas não existe ninguém agora choram e eu bato palmas por que mesmo assim preferem ver o país a ser governado por corruptos que não amam seu país, pois caso o amassem e tivessem estima pelo mesmo não venderiam este jardim à beira mar aos pedaços.

    Falando do livro, Salazar sempre teve o país sobre mira de todos ainda nos dias de hoje assim o é, mas naquele período de guerra não havia alternativa, aquilo que Salazar fazia era um risco enorme para a soberania de Portugal, mas é bom lembrar que esta guerra fez de Portugal um país praticamente sem dividas, melhor dizendo, estava afogado de dividas não sabia com quem contar (EUA,Hitler,Franco ou RU) a probabilidade de ser atacado por todos eles era exactamente a mesma, neste caso pode se dizer que a ocasião fez o ladrão, ganhou dinheiro com venda de produtos militares para ambos fazendo a divida diminuir drasticamente, e evitou Portugal entrar numa guerra ou seja eu não faria melhor, Salazar um mestre na arte da diplomacia.

    Obrigado pela atenção.

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    1. Caro Fábio

      Antes de qualquer outra coisa, as minhas desculpas por só agora responder ao seu comentário. Não me apercebi que tinha sido colocado (penso que estava em viagem nesse dia).

      Acho muito positivo que os jovens leiam e estudem o que foi o Estado Novo e o lugar de Salazar na história de Portugal. Para a minha geração, que nasceu imediatamente a seguir ao início da III República, esta fase da história de Portugal é misteriosa e um buraco enorme no ensino oficial que nos deixou numa ignorancia quase absoluta. O que sabemos é o que ouvimos em casa, na televisão ou mais tarde em livros dedicados ao assunto.

      Sobre a posição e actuação de Salazar durante a 2GM, concordo consigo. O seu feito - manter Portugal fora da guerra e ainda lucrar com ela - foi único a nível europeu e dificilmente conseguimos imaginar outro líder que o conseguisse. Muito provavelmente teríamos acabado por provocar uma guerra com o eixo ou alternativamente ser invadidos pelos aliados.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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