domingo, 3 de junho de 2012

Egipto - Um beco sem saída?

Mubarak durante a leitura da sentença
Quando achávamos que a situação do Egipto estava complicada, um novo factor se acrescenta tornando toda a situação ainda mais dramática. Nesta semana, Hosni Mubarak é considerado culpado em tribunal de primeira instância de não ter evitado o massacre ocorrido na praça Tahrir, Alexandria e outros lugares há um ano atrás, e onde morreram centenas de egípcios. A condenação, que num primeiro momento agradou todos aqueles que foram vítimas do regime, acabou com cenas de violência no tribunal, quando os seus filhos Alaa e Gamal Mubarak receberam o veredicto de inocência (não serão no entanto libertados pois estão já indiciados num crime económico relacionado subornos na venda de gas para Israel). Dezenas de milhares voltaram à famosa praça pedindo justiça, o que na opinião destes seria nada menos do que a pena de morte para Mubarak, os seus filhos e os seus ajudantes.

A contribuir para uma desconfiança total no sistema judiciário está ainda a questão de Mubarak ter sido considerado culpado apenas de não ter evitado os massacres, quando a generalidade da população acredita que ele foi o mandante. Que o seu crime não é de negligência, mas premeditado e ordenado pessoalmente.

Na realidade, todo o sistema da era Mubarak ainda se mantém de pé. A sua polícia secreta (mukhabarat), os seus tribunais, toda a economia, forças militares e polícias são as mesmas que das últimas três décadas. Não admira por isso que Mubarak não tenha ainda passado uma noite na cadeia. Todo este tempo, desde a sua detenção até hoje, foi passado num hospital de Sharm El Sheikh devido à necessidade de cuidados de saúde. Este, como seria de imaginar, torna o descrédito ainda maior.

Em paralelo, as eleições presidenciais resumem-se a apenas dois candidatos: Mohamed Morsi do Partido Liberdade e Justiça (ou seja a Irmandade Muçulmana) e Ahmed Shafik, independente, mas conotado com o regime de Mubarak e último primeiro ministro deste. Ou seja, a democracia egípcia tem apenas dois caminhos que são o de voltar atrás ou de avançar para um regime dominado na presidência e no parlamento pelos conservadores islâmicos (não utilizo o termo fundamentalista porque ainda temos os salafistas que fazem a irmandade parecer liberal).

Para todos os cristão, ateus, muçumanos moderados ou seculares, ter que fazer uma escolha destas é quase tão mau como quando não eram sequer chamados a decidir o seu líder.

O facto do ditador egípcio não ter recebido a pena de morte que todos esperavam, acrescido de nem sequer estar a ser julgado pelos crimes cometidos pelo seu regime durante três décadas, pode ser visto ainda como uma forma de ganhar tempo até que Shafik ganhe as eleições, altura em que o poderá eventualmente salvar de toda esta humilhação. O sistema é poderoso, rígido e antigo e combate a mudança - qualquer que ela seja - com todas as suas forças.

Esta história não ficará por aqui. Os militares não parecem ter qualquer vontade de entregar o poder a civis e mesmo depois das eleições poderão tentar aguentar a sua junta militar no poder até que uma constituição esteja escrita e aprovada no parlamento, o que poderá demorar algum tempo.

O maior dos sonhos do mundo árabe poderá transformar-se num pesadelo se as forças militares egípcias e a irmandade muçulmano não souberem estar à altura do momento histórico que vivem.

Enquanto olhava para as imagens de Hosni Mubarak atrás das grades, no tribunal do Cairo, lembrei-me das últimas palavras de Khalid Islambouli, o homem que assassinou o anterior presidente do Egipto, Anwar Sadat, durante uma parada militar em 1981: "Morte ao Faraó". Neste país, estas palavras têm muita força. Um Faraó é alguém que se julga Deus, que concentra em si o poder absoluto. Perguntei-me em silêncio se Mubarak teria sido o último. Ou só mais um. 


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