quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Grande Guerra pela Civilização

Book Review

Para alguém que queira comprender o imbróglio em que o Médio Oriente se encontra, não há um livro melhor do que esta obra prima de Robert Fisk. Não é um livro de história, mas também não é um livro de notícias. Fisk escreve na primeira pessoa, descreve o que sente e não se amedronta de confrontar Presidentes, Reis e Sheikhs com os seus actos. Se há conclusão que se tira deste livro, é que não devemos ter o mais pequeno respeito pelos líderes que conduziram toda a esta região a um constante estado de guerra. Desde Blair, Bush, Bin Laden, Arafat, Sharon e Hussein (os vários com este nome...) até aos arquitectos "originais" do Médio Oriente, os grandes diplomatas que dividiram esta região depois da primeira guerra mundial, Fisk não poupa um.

Iniciou a sua carreira de correspondente internacional (ou de guerra, embora ele não goste do título) na revolução portuguesa do 25 de Abril. O seu trabalho levou-o depois a Belfast, capital da Irlanda do Norte, durante uns anos (e sobre o qual escreveu dois livros) e finalmente ao Médio Oriente. 

A viver há mais de três décadas na sua adorada Beirut, este inglês viveu todos os momentos históricos recentes da região (num sentido mais lato que vai desde Marrocos às fronteiras da Índia). Atravessou o Afeganistão numa coluna militar russa durante a invasão soviética. Conversou com Bin Laden nas grutas controladas pelos Mujahedeen, assim como no Sudão. Entrevistou o Ayatollah Khomeni a seguir à revolução islâmica no Irão. Assistiu a inúmeras batalhas da guerra Irão-Iraque dos dois lados do conflito. E naturalmente cobriu a interminável guerra civil libanesa e as várias intervenções sírias e israelitas nesse país.

Umas notas sobre as poucas vezes em que o nome do nosso país aparece nas páginas dos seus livros: achei particularmente interessante a forma como confrontou Ayatollah Khomeni sobre as atrocidades que estavam a ser cometidas imediatamente a seguir à sua chegada ao poder, perguntando-lhe por que motivo a revolução iraniana não poderia seguir o caminho pacífico da revolução portuguesa. Khomeni ter-lhe-á respondido simplesmente "O Irão não é Portugal". Olhando para os últimos 30 anos, e mesmo sabendo as dificuldades porque passámos, não tenho dúvidas que seguimos o caminho certo. Khomeni não.

Numa ocasião menos feliz, Portugal fica associado aos massacres do governo argelino sobre o seu povo através do chamado "Soares Report" de 1998, a missão das Nações Unidas responsável por procurar informação sobre a situação e liderada pelo antigo Presidente português Mário Soares. Sobre esta análise (mais informação no site das Nações Unidas), Fisk é extremamente crítico já que permitiu ao governo argelino continuar a sua actuação criminosa debaixo de uma aprovação implícita da ONU disfarçada de uma guerra ao terrorismo. Fisk não poupa no entanto os grupos islâmicos que lutavam contra o governo e que têm as suas mãos igualmente manchadas de sangue.

É um daqueles livros que quando o compramos parece grande e quando acabamos parece pequeno. Robert Fisk é viciante: depois do primeiro livro, é inevitável que fiquemos todas as semanas à espera do seu próximo artigo no The Independent. E é uma questão de tempo até termos na prateleira o "Pity the Nation: Lebanon at War". Sobre este livro espero ter oportunidade de escrever também um book review em breve.

Voltando ao "A Grande Guerra pela Civilização, A Conquista do Médio Oriente" o resumo é muito simples: leiam. Se julgam que não terão tempo para o ler, experimentem ler as primeiras trinta páginas. A partir daí vai ser muito fácil inventar o tempo necessário para o ler até à última página.

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